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São Paulo, São Paulo, Brazil
Doutorando e Mestre em Ciências Políticas pelo Programa de estudos Pós Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP e especialista em marketing (ESPM). Autor de Política e Segurança Pública: uma vontade de sujeição (Rio de Janeiro: Contraponto, 2009).

quarta-feira, 30 de junho de 2010

a propósito do lançamento de excertos: "Do governo dos Vivos"

Há poucos minutos, lia a apresentação de Nildo Avelino à sua recentemente lançada tradução de excertos do curso de Michel Foucault no Collège de France (1979-1980), Do governo dos Vivos, que segundo o autor da apresentação, é um esforço de Foucault em torno da história genealógica da racionalidade direcionada para a produção da obediência. Nesta apresentação há uma clareza muito grande e uma evidência especial atribuída à ainda mal entendida na academia, governamentalidade. Clareza na expressão: um inconveniente levou Foucault para análises em um novo contexto, através do qual reorganizou o problema do poder. Mas onde estava esta ambiguidade: no próprio uso da palavra 'poder'. Inconveniente de situar o poder em dois momentos: jurídico relativo à soberania e normalizador relativo à disciplina. A análise das múltiplas operações dos mecanismos de poder e da dominação havia levado a conclusões extremistas (não de Foucault, é claro) do modelo repressivo do poder. Na década de 1970, Foucault não produziria nada sequer, sobre a prática governamental, sobre os detalhes de como o governo se efetuava, ou como governava. Mas aparecia em seus cursos, um novo percurso, um novo problema: como se 'pensa', como se organiza conteúdos intelectuais sobre a melhor maneira de governar. Inflexão Foucaultiana para a racionalização da prática governamental. Bom, é aqui que está a situação em que este texto atualiza o meu trabalho. Por que? Pesquisar à maneira da análise da governamentalidade ainda é fazer genealogia, decerto (Na realidade, veremos que se trataria mais de anarqueologia, como o próprio Foucault apresenta). E quando fazemos isso, tendo em vista o problema da segurança, como analisamos? À maneira do governo. Não se trata da segurança real, dos aparelhos, dos funcionamentos, do modus operandi. Mas da racionalização em torno da segurança. Ou, como se governa de um modo particular, pela segurança. Eu arriscaria sugerir ao Nildo que talvez Foucault tenha enfatizado a importância da racionalidade do contrato social como ponto de clivagem para a racionalidade moderna, porque essa racionalidade expressa a reivindicação em torno da segurança do sujeito em sua relação 'consigo', autoregulado. Segurança, tecnologias de si e governamentalização estabelecem uma relação de proximidade.

domingo, 16 de maio de 2010

demografia e política

Recentemente concluí a leitura de Freakeconomics. Sim, um livro excêntrico de um economista do MIT, desses bem premiados. Ora, o autor inicia o livro falando de uma curiosa história que pode emergir dos dados. Aborda sobretudo, uma maneira de interpretar a realidade através da economia. O tema unificador, seria o ceticismo em relação à abordagem convencional da criminologia. Aborda, inclusive alguns embustes da política como o caso de Atlanta nos EUA; que desde que se candidatou para sediar as olimpíadas tem registrado queda nos índices de criminalidade. Tendo sumido mais de 22 mil registros policiais só em 2002. Na conclusão do autor, os comportamentos podem ser alterados por incentivos positivos ou negativos. E é em torno disso que os autores tentam dar uma explicação nova para a criminalidade nos EUA na década de 1990. Nos 15 anos anteriores, registrava-se um aumento de 80% na criminalidade, e este era o foco de todos os telejornais. E tudo que os especialistas pronunciavam era que o futuro veria um aumento exponencial, um 'banho de sangue'. Bom, a história das décadas seguintes foi bem diferente. Então os autores se perguntam onde foram parar todos aqueles números? As explicações mais recorrentes na década de 90, dada pelos mesmos ou outros especialistas incluíam: as estratégias policiais inovadoras (e nós sabemos o quanto elas serviram de modelos e foram exportadas para tantos outros pontos das américas); crescente confiança nas prisões ( e nós sabemos o quanto se encarcera nos EUA, em 2000 havia mais de 2 ilhões de presos, 4 vezes mais que em 1972); mudanças no mercado de drogas (sabemos o quanto as mortes violentas, nesse sentido, envolvem traficantes e disputa por posses de pontos); envelhecimento da população; leis mais rígidas de controle de armas (2/3 dos homicídios nos EUA envolvem armas de fogo, e há mais armas que habitantes, mas a lógica industrial é produzir mais); melhorias na situação econômica do país e aumento do número de policiais nas ruas. Os autores afirmam que desta lista, apenas três fatores realmente contribuíram para a queda da criminalidade, os outros não passam de autopromoção de especialistas ou ilusão. Por exemplo, os fatores crescimento econômico e queda do desemprego; ora, os autores concluem que esses fatores só seriam significativos para a queda da criminalidade em relação aos crimes de motivação financeira. Tendo o desemprego registrado uma queda de 2% e o registro de crimes não violentos 40%. Para os autores, de fato,o encarceramento responde por mais ou menos 1/3 da queda dos índices de criminalidade. Bom, como esses dois milhões de indivíduos chegariam às prisões senão por meios legais, restando a influência das novas estratégias policiais e o aumento do policiamento em cerca de 14% na década de 1990. Especifica-se bem que o índice da criminalidade caía em todos os EUA, não se tratava de um mérito de NY, por exemplo. A que caberia além desses 3 fatores esta influência? No que está a conclusão dos autores: a uma mudança demográfica imprevista como resultado da legalização do aborto estendida para todo o país em 1973 pela suprema corte. No que concluem que existe uma alta correlação matemática entre aborto e indices de criminalidade. Segundo os autores, "desde 1985 os estados com alto índices de abortos tiveram uma queda aproximadamente 80% maior do que os estados com índeces baixos de aborto." Esta, me parece, continua sendo uma velha tentativa de se equacionar a demografia da pobreza e criminalidade. O que se pode deduzir politicamente? Os problemas sociais mais prementes não podem ser entendidos senão pela forma de como combatê-los, pelo padrão de um exemplo, de uma matemática para economia e um instumental (incentivos)para política. Será que isso delimita tudo que podemos entender da experiência social? Não. Um grandioso não. Por isso a necessidade de se estudar também como se forma esta economia do poder muito distinta, o sistema de segurança da população, do problema aberto pela demografia ao problema da tautologia da interpretação dominante.

terça-feira, 4 de maio de 2010

bioeconomia = biopolítica

A prova de que não há a possibilidade de entender a biopolítica fora do contexto da economia está numa tímida e curta referência de Foucault a Ricardo, Malthus e Marx. O problema da biopolítica, seu corte e seu desbloqueador, tem um lugar central em todo o pensamento da economia política: a população, a demografia. A partir de 1809 Ricardo estabeleceu com Malthus laços de amizade que não influenciaram em seus desacordos teóricos. Para Ricardo, o que faz com que a economia seja possível e necessária é uma perpétua e fundamental situação de escassez, frente a uma natureza por si mesma inerte e estéril, salvo em uma minúscula parte, o homem arrisca a vida. A economia, portanto, encontra seu princípio pelo lado dessa região perigosa onde a vida enfrenta a morte. E Malthus, na mesma época escreverá sobre as proporcionalidades logarítimas entre a progressão geométrica das populações e aritmética da subsitência. “Malthus , pensou essencialmente o problema da população como um problema de bioeconomia, enquanto que Marx tentou erradicar a noção de população, mas para reencontra-la em uma forma já não bioeconomica e sim histórico política de classe, enfrentamento de classe” (Segurança, Território e População, 105). Para Malthus, a sociedade se consome e deve consumir aquele que não tem para viver nem trabalho nem sustento e sua infelicidade deve recair apenas sobre ele mesmo. A economia política atribuiu aos 'incentivos' a pedra de toque da vida moderna. Entendê-los virou a chave para solucionar a relação risco/oportunidade ou, inicialmente, como explicitava Adam Smith em 1759, em Teoria dos Sentimentos Morais, liberdade individual/normas sociais. Estas construções teóricas foram fundamentais para caracterização histórica da sociedade civil, dos interesses de sociedade, demandas de sociedade. Hoje, vejo que o estudo da especialização do 'interesse', do 'incentivo' e da 'oportunidade', como categorias da economia são fundamentais para entender a garantia da sociedade frente aos fenômenos da escassez, à miséria e seus escopos, como a doença, o crime e a guerra. Frente a estes fenômenos a economia política se tornou fundamental tanto quanto a segurança. Teria a economia política lançado os métodos para o sistema de segurança?!

quarta-feira, 21 de abril de 2010

crença, sensibilidades e formas

Às vezes a gente lê livros diferentes ao mesmo tempo. Dois livros, têm aguçado a minha curiosidade nos últimos dias. Um chama-se The Rise of America´s Surveillance State, outro Os Reis Taumaturgos. Poderíamos simplificar e dizer que os dois, tratam de expressões de um certo poder político supremo. Mas, para um e para outro, essa seria a apresentação apenas de metade do problema. Em um, há a seguinte problematização: como um rito se torna uma instituição? Em outro: como e quando o governo lançou mão de tantas tecnologias notáveis - explicitando alguns exemplos de data-mining e benchmark transformados em programas nacionais - para vigiar seus próprios cidadãos, no caso tratando-se dos EUA? Neste pode parecer encantador em um primeiro momento destrinchar as comercializações e vendas das idéias e processos de espionagem/vigilância nos bastidores do poder. Mas é num livro como Os Reis Taumaturgos, que podemos entender que não se trata exatamente de bastidores do poder, e que a realidade histórica é um pouco menos simples, que as idéias não esvaecem de repente e que é preciso considerar, por vezes, aquilo que a modernidade tende a tratar como crença, fábula ou imaginação popular. Poderíamos concordar com o autor do livro sobre espionagem, quando se trata de afirmar que estamos numa era plena de vigilância. Poderíamo até adicionar que se trata de um domínio eletro-ótico em vigilância. Mas não podemos confundir esta plenitude, com seus inúmeros nodais, com uma tarefa contínua de um tempo e de executores que não sabem exatamente o que estão procurando. Ora, caracterizar, listar, enunciar os suspeitos reinventados de nosso tempo seria lidar, igualmente com metade do problema. O sistema de justiça moderno, com suas instituições, ritos, representações, discursos, etc. pode constituir parte do tema 'Segurança', e como tal poderíamos entender que modernamente organiza-se pela tolerância discreta da violência, desde que ocultada aos muros das prisões, embora inerente às suas práticas - sabemos a precariedade das compilações sobre a violência autorizada pelas polícias persuadidas ou não de sua eficácia. Como Bloch pela história das crenças ou Elias pela sociologia das sensibilidades, podemos entender que uma e outra influenciam as formas que tomam a segurança e o sistema de justiça. Desse ponto de vista, porque não problematizar 'a segurança' a partir do feliz otimismo dos crentes que sendo mais de um pobre homem que certamente é vigiado - acusado antecipadamente - deveu à vigilância a sua segurança? O que cria a eficácia na vigilância é a idéia de que alí deve haver segurança e o testemunho acumulado dos que acreditam. Podemos começar a história polítcia da segurança por aqui?

segunda-feira, 12 de abril de 2010

episcopus, ou a arte da vigilância

No início de uma pesquisa, podemos com maior liberdade nos resignar a ceder ao maior número de hipóteses, desde que elas não se apresentem, de imediato, como certezas. Ao estudar a segurança, nos deparamos com um passado bastante obscuro de séculos em que a polícia do costume exerceu notória influência na literatura política. As pesquisas, em geral, retomam a constituição histórica - do sistema de justiça, mais do que da segurança -, a partir do que poderíamos caracterizar como sociedade disciplinar. Por onde deveríamos começar se precisássemos reunir os mais diversos textos que se referem, por exemplo à vigilância ou à proteção, já que a segurança, como a entendemos só aparece a partir do problema da população no século XIX? Decerto à longa tradição do episcopus que em tradução literal significa: cuidado pela vigilância na longa história da ars animarum ou direção da alma em toda a Alta Idade Média até o século XVIII. Ou, quem sabe, muito antes, no opóbrio histórico de Aristodamo das Termópilas à batalha de Palmas.

sábado, 3 de abril de 2010

segurança como conceito.

Em Política e segurança pública: uma vontade de sujeição (Contraponto, 2009) analisei a figura da vítima potencial sob pano de fundo da “novidade em segurança pública” caracterizada pelos documentos que organizam a política brasileira de segurança em 2000, 2003 e 2007 com seus estudos da relação entre a participação da sociedade civil e polícia. Estes documentos sobre segurança realmente representam o conjunto temático de nossa década. Minha principal pergunta era: quais os efeitos desse conjunto temático e da aliança entre sociedade e polícia? Quais os efeitos de uma prática preventiva que recai sobre os laços da opinião e participação?
Então analisei as relações intrínsecas entre a manutenção simbólica da ameaça regular e os processos de vitimização/risco sob as perspectivas neoliberais de análise de comportamento tendo como foco a minimização de riscos ou simplesmente a comparação teórico/prática entre efeitos e custos do crime e da repressão/prevenção. Não é assim que as metodologias de segurança são construídas hoje? Vejamos alguns exemplos atuais:

1) A partir de abril de 2010, segundo anúncio do Departamento de Segurança, os Estados Unidos endurecerá sua segurança aérea, qualquer passageiro poderá ser interrogado antes de viajar, sobretudo, aqueles com características fenotípicas aproximadas a de suspeitos terroristas. Desde dezembro quando um passageiro nigeriano tentou acionar explosivos dentro de um avião em um vôo de Amsterdã a Detroit anunciou-se que passageiros de 14 países, seriam exclusivamente vigiados e investigados, dificultando a entrada nos EUA. Segundo os estudos do departamento de segurança, Cuba, Irã, Sudão, Síria , Afeganistão, Argélia, Iraque, Líbano, Líbia, Nigéria, Paquistão, Arábia Saudita, Somália e Yemem, abrigam ou não tomam medidas exclusivas para combater terroristas, daí a coincidência territorial/populacional.

Segundo a última declaração do departamento de segurança estadunidense, qualquer um, de qualquer país pode ser controlado como um suspeito segundo padrões de suas viagens transformados em filtros de segurança, como sobrenome, tipos de bilhetes, características físicas e todo resto de escolhas relacionadas às compras de serviços aéreos, periodicidade das viagens, ou determinantes na estadia em países visitados.

2) As polícias pacificadoras são anunciadas como um novo modelo da secretaria
estadual de Segurança do Rio de Janeiro. Deverão ocupar aproximadamente 37 favelas, selecionadas segundo índices de homicídio, listas com supostos suspeitos de comandar o tráfico, estrutura das barricadas instaladas para impedir a entrada da polícia, guerras internas de facções – do sistema penitenciário às favelas —, bocas de fumos, territórios controlados por milicianos e com estratégias de conflitos mais intensas, equipamentos avançados em comunicação, concentração de armas, visibilidade como poderes paralelos, barganhas políticas e códigos de condutas complexos semi institucionalizados impostos aos moradores. Tarso Genro afirmou que 50 comunidades estarão pacificadas até 2016, ano das olimpíadas no Rio de Janeiro, e que se caracterizarão como mini vilas olímpicas. Onde serão as UPPs, sejam 37 ou 50, não há qualquer menção. Até abril de 2010, cinco favelas são consideradas modelos deste novo policiamento: Dona Marta, Batan, Cidade de Deus, Chapéu Mangueira e Babilônia.

As metrópoles brasileiras registram diferenças quanto à variedade do mercado de drogas ilícitas. Algumas análises sugerem que este mercado pode ser caracterizado pela sua concentração ou fragmentação, do vetor concorrência ao monopólio. Ou seja, funciona como qualquer outro mercado pela lógica do grau de controle exercido para deter porções significativas ou dominantes do mercado. Este mercado vai de um modelo competitivo exercido por microtraficantes (revendedores individuais autônomos) em áreas urbanizadas como a cracolândia de São Paulo ou bocas independentes em uma mesma favela/periferia. Estes mercados fragmentados operam com margens de lucro muito baixas, tornando-os incapazes de investir em estoque, controle de mercado, controle de distribuição, controle de armamento, funcionários especializados (vapor, olheiro, gerente, vigia, etc), estorções (mesmo que da Força Nacional de Segurança), ajuda social e ordem nas comunidades, com exibição de força muito limitada, etc. Estes são incapazes de expandir e ganhar a fatia dominada por um concorrente e de lidar com visibilidade deste fato. Um outro modelo é formado por empresários do tráfico que dominam uma ampla fatia do mercado e desfrutam de um monopólio local com perspectiva de expansão e/ou estabilidade. A expressão “está tudo dominado”, muito comum nos morros cariocas, caracteriza esta situação de mercado e o posicionamento das empresas.

Quanto mais produzem, menor o custo marginal por unidade produzida, maior abrangência da margem de negociação com os fornecedores, maior venda e, porventura, proteção dos consumidores e maior força de segurança. Isso gera capital para investir em expansão operacional e visibilidade. É em torno do comportamento de mercado — muitas vezes encoberto pelo termo “crime organizado” — que o negócio do tráfico torna-se alvo da polícia, mesmo quando esta se codifica em milícia em torno do mercado da segurança da comunidade contra o comércio das drogas. Tendo como foco estes mercados estáveis, de baixa variação ou de alta fragmentação, de alto nível organizacional e aglutinador operacional das penitenciárias ou não, a ação da polícia tem sido planejada.

Com estes dois exemplos bastante simples, podemos entender que as metodologias neoliberais de segurança correlacionam uma coincidência populacional/territorial, forma do mercado e risco (comportamento). A esta equação ou correlação atribuímos hoje o nome de segurança, mesmo que ela seja fragmentada sob diversos dispositivos que dimensionam o grau da minimização ou recidivo dos riscos. Não se trata de suprimir ou erradicar os riscos, mas de comparar os efeitos de um dispositivo. Nossa época teria razão orgulhosa de uma segurança completa.

O conceito, a razão, a dimensão simbólica da segurança moderna é uma novidade. Como ela se constitui, qual a sua história cheia de precariedades teóricas e práticas é o meu problema atual. Precisamos perguntar: De onde o conceito de segurança tira uma força tão grande em nosso pensamento político?
 
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